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18 de Abril de 2024

Mulher é condenada por maus-tratos contra o pai

O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores Luis Soares de Mello (Presidente), Ivan Sartori e Camilo Léllis.

Publicado por Daniele Soares
há 5 anos

A 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou a recorrida, absolvida em 1ª instância, a 04 anos e 08 meses de reclusão em regime inicial semiaberto por maus tratos com resultado morte.

Em suma, a recorrida tinha sob seus cuidados seu genitor que foi encontrado por integrantes do Conselho Municipal do Idoso, em novembro de 2009, em situação degradante. Em seguida, no ano de 2010, a vítima veio a falecer em decorrência de desnutrição, doença de Alzheimer e Parkinson, conforme perícia.

A ré se manifestou no sentido de que cuidou de seu genitor até a morte dentro de sua condição financeira, não o deixando em situação degradante.

O juízo da 1ª instância absolveu a ré pela falta de demonstração do nexo causal entre a causa da morte e a conduta da ré, visto que:

A causa da morte não foi a desnutrição, mas sim as consequências das demais enfermidades. A desnutrição foi apenas um dos sintomas dos graves problemas de saúde enfrentados pela vítima. Além disso, ao que tudo indica, em razão das enfermidades, a vitima não se alimentava, não sendo possível afirmar que isso ocorria em razão da negligencia da ré. As testemunhas de acusação confirmaram que a vítima não se alimentava. E não é só isso. A ré, desempregada, não teria realmente condições de apresentar melhores condições de moradia e se fosse o caso de condenação, não poderia ser a única responsabilizada, eis que a vítima tinha outros filhos. Finalmente, não foram tomadas providencias para retirar a vítima do local e não foi cobrado dos demais membros da família o auxílio à vítima”.

No entanto, a 4ª Câmara se manifestou em sentido contrário, entendendo pela necessidade de condenação da apelada.

Argumentam que a razão do óbito foram as doenças de Alzheimer e Parkinson, bem como desnutrição. Por isso, não há como se questionar que a desnutrição foi uma das CAUSAS da morte do ofendido e que, assim, Alzheimer e Parkinson foram CONCAUSAS do evento morte.

Para fundamentar tal raciocínio, trouxeram os ensinamentos do doutrinador CLEBER MASSON:

Concausa é a convergência de uma causa externa à vontade do autor da conduta, influindo na produção do resultado naturalístico por ele desejado e posicionando-se paralelamente ao seu comportamento, comissivo ou omissivo. Causa dependente é a que emanada da conduta do agente, dela se origina, razão pela qual se insere no curso normal do desenvolvimento causal. Existe dependência entre os acontecimentos, pois sem o anterior não ocorreria o posterior. Desse modo, não exclui a relação de causalidade”. (Direito Penal, 2016, página 262).

Para a 4ª Câmara, “a ré era responsável pela sadia alimentação do ofendido, pois a ela – e somente ela – competia o múnus da curatela. Frisa-se que a recorrida era beneficiária do auxílio previdenciário a que fazia jus a vítima. Pouco importa se o Poder Público ou outros familiares poderiam ter tomado providências para evitar a morte do ofendido.”

Fundamentaram com base em NELSON HUNGRIA:

“A opinião prevalente [...] é no sentido de que, em direito penal, diversamente do que ocorre no direito civil, as culpas reciprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem ‘quoad concurrentem quantitatem’. Afora o caso singular das injúrias recíprocas, em que a lei admite, pelo fato da retorsão, como que uma renúncia à intervenção da justiça penal sem dano ao interesse social, não prevalece o princípio romanístico de que ‘paria delicta mutua pensatione dissolvuntur’. [...] Se os desatentos pudessem marar e estropiar-se impunemente, estaria implantada, na vida social, a lei da ‘jungle’. [...] Se na hipótese do concurso de duas pessoas na ação culposa contra um terceiro, ninguém duvida que ambos devem responder, por que há de ficar impune o ofensor, no caso de concorrência culpa do ofendido? Este é o punido, muitas vezes, com a própria morte, e não se compreende a razão por que há de ficar a coberto de pena o ofensor, tão culpado quanto o ofendido. [...] O ofensor só se eximirá de punição quando a culpa tenha sido exclusiva do ofendido, porque, então, o evento lesivo foi, em relação àquele, uma mera ‘infelicitas fati’” (Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 5ª ed., 1979, vol. V, pp. 221-22).

Ainda, emergem FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO:

Em matéria penal, portanto, culpas recíprocas não se anulam, neutralizam ou cancelam. Inexiste compensação de culpas em sede penal em razão do predomínio do interesse público e estadual sobre o interesse individual ou particular (...) Por via de consequência, se o sujeito ativo, conduzindo seu automóvel com excesso de velocidade, atropela e mata a vítima que atravessava a rua de forma desatenta ou precipitada, indiscutível é que a conduta culposa concorrente da vítima não elide a do agente, que deve ser responsabilizado criminalmente pelo delito culposo” (Direito Penal, Parte Geral, Doutrina e Jurisprudência. 4ª ed. São Paulo: Editora Método, 2008. Vol. 1. P. 475).

E fundamentaram com base nos ensinamentos de GUILHERME DE SOUZA NUCCI a tipificação do delito:

Privação da alimentação ou dos cuidados indispensáveis: privar significa destituir, desapossar, retirar. Por isso, espera-se que a vítima deste delito tenha direito à alimentação para que possa ser dela privada. No mesmo sentido, cuidados indispensáveis são aqueles necessários para o bom desenvolvimento de que está sendo educado, tratado ou custodiado por alguém. Tema a vítima direito de ser tratada com zelo e dedicação. Na interpretação dessas situações é preciso cautela e bom senso, pois somente o caso concreto irá delinear se a privação imposta – de alimentação ou de cuidados indispensáveis – colocou em perigo o ofendido. Um pai que deixe o filho desordeiro à mesa das refeições sem almoço ou jantar, para que possa emendar-se, estará privando o descendente de seu direito à alimentação, mas tal circunstância fará parte do exercício regular de direito, como meio de correção. Entretanto, caso aja dessa maneira reiteradas vezes, até debilitar a saúde do filho, estará incidindo no tipo penal. Por outro lado, em outro exemplo, a mãe que, para aplicar um corretivo ao filho mal-educado, porém doente, priva-o do remédio prescrito pelo médico, poderá numa conduta, expor sua vida ou sua saúde a perigo. Não se exige, nessas situações, habitualidade, mas apenas a demonstração, na situação real, de que houve um perigo efetvo para a vítima. Por vezes, a privação de alimentação, para configurar o tipo penal, pode exigir certa habitualidade, noutras, não”. (Código Penal Comentado, 2016, página 780).

Ressaltando com CEZAR ROBERTO BITENCOURT:

Como crime de perigo, limita-se a consciência e vontade de expor a vítima a grave e iminente perigo, estando absolutamente excluído o dolo de dano, ou seja, eventual animus necandi ou animus laedendi caracterizará outro tipo penal e não este” (Código Penal Comentado, 2016, página 570).

Com esse posicionamento, na dosimetria da pena, partiram da pena base de 04 anos de reclusão agravando a pena pelas circunstancias judicias desfavoráveis em 1/6 em razão da ré ter privado o incapaz da alimentação adequada, bem como tendo o deixado em situação degradante, por vezes encharcado em sua própria urina.

Aplicando-se o regime semiaberto para início imediato do cumprimento da reprimenda, com fundamento na decisão do HC 126292/SP do STF, devendo ser expedido o mandado de prisão na forma precipitada.

Apelação nº 0000423-34.2010.8.26.0058 - TJSP.

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